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Noite quente e reinvenção pertinente.*


Na última terça feira teve mais um jogo da seleção brasileira de futebol pelas eliminatórias da Copa do Mundo e, mais uma vez, teve uma noite quente de rock na capital baiana. É claro que, sem pensar duas vezes, não iria ficar em casa para ver o Brasil contra a Venezuela. Nem se fosse contra uma seleção menos freguesa optaria por assistir o time nacional nesta véspera do feriado no lugar das três bandas daquela noite. Ainda mais com uma oportunidade mais do que interessante de se presenciar dentro da cena local, como foi no evento Quanto Vale o Show? do dia 11/10/16.

A chegada foi no início da noite, bem a tempo de pegar um Rio Vermelho ainda vazio para ver o povo se encontrando aos poucos. E foi bem assim, a presença e comunhão de novos e velhos amigos dessa jornada roqueira baiana foi acontecendo de vez em vez, com cada um somando ideias ao papo em seus ganchos finais a medida em que chegavam, até tudo se transformar em uma grande via de conversas boas e intermináveis, com fluências e risadas. Coisa cada vez mais rara para os dias de hoje, de aplicativos e redes sociais. Com isso o tempo passou rápido e foi chegado o momento de conferir Pastel de Miolos, 32 Dentes a Aborígenes, bandas da região metropolitana (Lauro de Freitas) e interior (Feira de Santana e Alagoinhas) dando as caras mais uma vez em Salvador.

Quem abriu as atividades foi a veterana Pastel de Miolos, que gerava uma expectativa muito grande para este momento por conta da estreia da sua nova formação, como um duo. Na verdade, seria uma reestruturação, perto até de uma reinvenção da dinâmica do seu som em cima do palco. Eu, particularmente, estava muito curioso em saber como a música da banda havia ficado. Lidar com a saída de um integrante importante e de um elemento importante (a guitarra) dentro de uma banda de punk rock com muitos anos de estrada não é uma tarefa das mais fáceis. Deixei de lado todas as referências de grupos que conheço neste formato para vê-los e procurei aproveitar o máximo do momento. E o som deles mudou sem ter mudado. Pode parecer algo complicado, ou sem sentido, para ser interpretado aqui nesse texto. Mas o fato é que o punk rock como antigamente estava lá para muita gente que os segue, ao mesmo tempo em que o baixo e os recursos utilizados nele supriam as necessidades que a falta de um instrumento poderia fazer para a dupla.

A velocidade característica da banda não foi deixada de lado, o André Felipe segurou muito bem os vocais e soube utilizar muito bem o sistema de pedais que usou, provavelmente um bom fruto da sua escola dentro do metal. Como bons exemplos em seu repertório, Ruas e Desobediência Civil se destacaram tendo a mesma energia de outrora e com a nova roupagem que ganhou, não perdeu a agressividade em seus arranjos e ainda botou muita gente para abrir uma roda de pogo. A apresentação foi relativamente rápida, porém muito satisfatória para público e dupla (que falou só o necessário entre as canções), com todos se divertindo e aliviando as tensões. O novo formato da PDM funcionou bem, é claro que uma ou outra coisa ainda será ajustada no decorrer da jornada dessa sua mais nova fase. A experiência de uma apresentação ao vivo e toda a adrenalina envolvida que ela traz, provavelmente, vai deixar esse novo som da Pastel de Miolos ainda mais redondo do que pareceu ser. É uma questão de tempo para potencializar isso.

A casa estava muito cheia quando a banda terminou a sua apresentação. Television era a trilha sonora do ambiente e, caminhado para fora do lugar, já dava para perceber que o Rio Vermelho em si estava muito movimentado, com muito mais gente do que no início da noite. Não demorou muito e a feirense 32 Dentes subiu ao palco para fazer a sua apresentação no evento. Depois de quase se perder na chegada a Salvador, o trio estava empolgado em sua performance, executando bem as suas trilhas mesmo com alguns imprevistos no palco, que foram logo solucionados (o martelo do pedal do bumbo se saltou na primeira música). Problema sanado, o grave do bumbo deu mais impulsão às canções e foi empolgando gradualmente os músicos e a plateia, em alto e bom som, com as texturas de guitarra se encorpado aos espaços do Irish Pub juntamente com bons solos e cozinha entrosada. Em alguns momentos o instrumental se avolumava um pouco mais que o vocal, o forçando a cantar um pouco mais alto, mas isso não foi um problema visto a noite inspirada dos rapazes.

Depois deles, a Aborígenes, da cidade de Alagoinhas, foi até o tablado para fazer seu power-hard-punk-rock veloz para encerrar a noite. Canções do seu novo disco foram executadas naquela noite e, assim como os grupos anteriores, empolgou a si próprio e a quem estava os assistindo. Eles tocaram tudo o que poderiam tocar do seu repertório, sons antigos e novos foram mostrados e muita gente se divertiu ao som dos três. Aliás, diga-se de passagem, não há quem se divirta com os shows de bandas locais e de fora como o pessoal da Modus Operandi. Você pode se divertir melhor ou pior do que eles, mas como eles, não tem igual. Completando a performance, a Aborígenes tocou alguns covers a pedidos de quem os assistia, tendo em Bodies (Sex Pistols) a mais festejada. Tranquilidade e segurança são marcas registradas da música dos três de Alagoinhas e fecharam muito bem uma noite de bom rock.


Na volta para casa, ainda no bairro, percebia-se um movimento quase que agoniante de gente, de muita gente, talvez um número maior que o normal pelas ruas. Pessoas com um olho no celular e outro no interlocutor. Se isso é bom, ou ruim, sinceramente, eu não sei dizer. Houve uma época em que isso não queria dizer muita coisa e de certa forma continua não sendo parâmetro para algo, multidão e nada não mandam mensagem alguma para alguém. Mas o que importa é que a noite com as bandas foi bem acima da média, com veteranos se reinventando, mas mantendo a sua essência e atuantes do cenário do estado se saindo muito bem mais uma vez aqui na capital. Essa foi a verdadeira mensagem.


*Matéria originalmente publicada em 18/10/2016.

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