Neste primeiro sábado de
maio, aqui em Salvador, choveu demais, fez um frio daqueles e faltou luz duas
vezes no bairro onde moro, uma vez durante a tarde e outra pela noite. Energia
elétrica zero em pelo menos metade da cidade baixa por um bom tempo. Isso me
ocorreu em mente se era um empecilho para sair de casa, diante da possibilidade
disso ocorrer novamente estando na rua, pois todo cuidado é pouco e essas
coisas quando acontece quando se está por aí é uma dor de cabeça das boas. Das piores,
digo!
Mas mesmo assim, peguei a
minha camisa de flanela e saí. O destino foi o Portela Café para conferir a
primeira noite de shows do projeto Incubadora Sonora, contendo as apresentações
de duas das nove bandas selecionadas pela sua curadoria, e também do anfitrião
Irmão Carlos. Havia algum tempo que eu não dava as caras para ver as bandas
locais, mais de um mês, quase dois, acho, e essa seria uma boa oportunidade
para não deixar passar. Para além de assistir os grupos, rever as pessoas,
inclusive algumas que já não via ao menos há um ano e meio juntas no mesmo
lugar, e trocar um bom papo com elas fez parte do todo. O público não compareceu
em grande número, mesmo com uma forte divulgação do evento e com o valor do
ingresso quase que “simbólico” (apenas R$5,00), porém, quem foi se mostrou
curioso e atento ao que estava acontecendo no palco.
Eu ainda estava no bar
comprando mais uma cerveja quando a Búfalos Vermelhos e a Orquestra de
Elefantes abriu os trabalhos. Eles começaram com um mantra antes do seu primeiro
acorde e isso sinalizava algo diferente em seu show. Os acompanho há um bom
tempo, conheço o seu repertório de trás para frente e é uma das melhores bandas
locais, mas, sinceramente, já estava mais do que na hora deles inserirem novas
canções em sua apresentação. Tudo foi executado de maneira mais madura pelo duo,
desde as duas composições escolhidas para entrar na coletânea do projeto até
Mulher Kriptonita, ponto forte do seu EP de estreia, mas as três inéditas
chamaram bastante a atenção. Búfalo Soul é um épico fincado na identidade da
banda e com influência forte de Black Sabbath, Levante, que foi a mais bem
recepcionada, tem um perfil mais psicodélico e Madame Sophie mesclou o seu peso
com momentos mais leves. Agradou muito a quem conhecia e a quem não conhecia o
seu som.
Depois deles, o cantor e
compositor Irmão Carlos subiu ao palco para tocar as canções do seu primeiro disco
solo. Pelo fato dele estar desde o início do ano atuando de maneira efetiva com
esse seu show, se percebe uma grande segurança nas músicas em ação e no domínio
do palco por parte de todos da banda. A própria experiência musical de cada um deles
na cena, ajuda a explicar esses fatos! Do início ao fim, o Irmão Carlos não
perdeu a empolgação, se entregou totalmente ao feeling das suas composições em
uma performance incansável, como se tivesse entrado em um ringue e lutado todos
os rounds para os quais ele se preparou para lutar. Seu Lugar ao vivo parece
ser bem mais forte do que é em cd, com seu groove na medida certa, e Um Microponto
de Luz faz jus à sua mensagem. Encerrando a noite, o grupo de rap Fraternidade
Maus Elementos fez o seu som direto e reto, com rimas que abordam o cotidiano
da realidade da nossa cidade. Ficou evidente em sua performance que o conjunto
estava se divertindo no palco, com os MCs se reversando nas suas rimas e com o
DJ se concentrando e aproveitando o momento em cima do tablado. Um ou outro
desencontro na sequência das músicas ocorreu, mas isso significou nada diante
da sua mensagem e do seu desempenho em músicas como Babylon.
Na volta para casa, descendo
para a cidade baixa e com o A-há no som, pensei comigo: “Salvador é Kingston”.
Kingston com várias Trenchtowns, que derrete quando chove e ainda muito mal
cuidada em vários dos seus cantos. De qualquer maneira, a essa altura já me
esquecera da ameaça de falta de energia elétrica e pensar que iniciativas como
a da Incubadora Sonora são importantes para o fomento do cenário independente
ocupou mais a minha cabeça.