Pular para o conteúdo principal

Coluna OCADEL: Kind of Blue - Miles Davis e o álbum que reinventou a música moderna (Richard Williams). Por Leonardo Cima.


Procurando abranger um pouco mais os temas que gostamos de abordar aqui no site, damos início a uma nova coluna no Portal Soterorock. Dessa vez, olhamos para o mercado editorial, e para a cultura pop, e abrimos espaço para expormos as nossas impressões sobre algumas das nossas leituras, sejam elas de livros ou quadrinhos, e para as nossas maratonas de séries e filmes, que contenham os mais variados assuntos. A leitura e as películas, assim como a música, são algumas de nossas paixões e a Coluna OCADEL chega para preencher esse espaço há tempos por aqui esperado.

Então, com as considerações feitas, a obra escolhida para essa estréia é o livro Kind of Blue - Miles Davis e o álbum que reinventou a música moderna (2011), do inglês Richard Williams, e publicado no Brasil pela editora Casa da Palavra. Em tempos de quarentena, uma maratona de leitura ganha força quando se têm livros esperando que você acesse cada um deles e o único trabalho que se tem nessas horas, talvez, é a escolha de por onde começar. Este livro estava na minha estante há pouquíssimo tempo e, pelo fato de eu querer me reaproximar um pouco mais do universo do jazz, ele acabou furando a fila de tantos outros que estavam me aguardando. Ao final, a experiência deixou um clima estranho, carregado de certa frustração misturado a ótimas informações adquiridas.

É tudo uma questão de expectativa! Com o livro possuindo um título desses, a primeira coisa que você espera dele, mesmo não sendo longo (264 páginas), é que o mesmo provoque, ao menos, uma sensação de imersão, ou que seja, de fato, simplesmente imersivo na obra referenciada em si! E não é exatamente isso o que acontece aqui! É bastante comum em uma biografia de disco, o autor dedicar a primeira metade do seu livro para o período no qual o artista maturou o álbum, que fez com que ele desse corpo ao conjunto de músicas que se tornou tão influente para tantas pessoas. Isso é importante e aqui, ele o começa dedicando os dois primeiros capítulos para o seu primeiro contato com o Kind of Blue e o segundo à relação da humanidade com a cor azul ao longo das eras. Nos seguintes, Williams cobre cerca de dez anos da carreira do trompetista, mostra bem a sinergia musical do Davis com o pianista, produtor e compositor Gil Evans e de como essa relação deságua no seu desempenho em discos desse período, como em Birth of the Cool e Porgy and Bess, traz como ele já procurava, em obras anteriores, chegar ao som que alcançou, maturando bem as suas ideias e as colocando em prática ao lado de instrumentistas escolhidos minuciosamente pelo próprio músico, cada um para cada tipo de som por ele desejado.

Cita também a importância da dinâmica executada pelo Miles na gravação da trilha sonora do filme Ascensor para o Cadafalso, sem deixar de lado uma passagem sobre uma espécie de zeitgeist ocorrido no jazz naquela época e absorvido pela geração beatnik. Isso até ele chegar no capítulo ápice do livro, no qual, enfim, ele trata o Kind of Blue em um faixa a faixa detalhado, porém sem avançar muito além disso, referenciando brevemente a estrutura física da igreja e de como ela pôde incidir na sonoridade do álbum.

Na segunda metade do livro, quando se espera algo mais sobre o álbum, o autor decide investir em uma outra direção, deixando para traz o protagonismo do Miles Davis e do seu disco, e seguindo por um caminho no qual quase apagou ambas presenças, preferindo enfatizar como eles reverberaram na música depois do seu ano de lançamento, falando sobre outros artistas. É bastante compreensível e louvável o fato do Richard Williams não subestimar a inteligência do leitor, quando resolve não citar recorrentemente a influencia do Miles sobre estes trabalhos posteriores, porém, nessa altura, o assunto tratado já é outro. Ou outros!

Valendo-se de sua experiência profissional como jornalista musical, Williams traça as trajetórias das carreiras do John Coltrane e do Bill Evans em seus grupos, quarteto e trio, respectivamente, no pós gravação e turnê do Kind of Blue, escreve sobre como o Velvet Underground se formou, investindo tempo e estudo na musica minimalista a mesclando com a então novidade musical da sua época (o rock!), traz à luz um pouco do processo criativo do James Brown, valoriza a busca pelo som ambiente do inventivo Brian Eno e destaca o surgimento das gravadoras ECM e Rune Grammofon, em uma curadoria de sensibilidade, mostrando a face europeia do jazz. Esta última é, certamente, uma das passagens mais interessantes desta "segunda parte" do livro, juntamente com as de Coltrane e Evans. Todos esses capítulos são facilmente aptos a serem revisitados para leituras de consulta.

Se por um lado Kind of Blue - Miles Davis e o álbum que reinventou a música moderna desaponta com o não devido mergulho que o seu título sugere, por outro, a quantidade de informações encontradas nas páginas compensa, de certa maneira, o leitor ou a leitora, desde que esta seja uma pessoa curiosa e disposta a pesquisar posteriormente cada músico, canção, disco e estilo citados nas linhas e entrelinhas do livro. Linguagens de técnicas musicais mais rebuscadas, utilizadas recorrentemente pelo escritor ao longo da sua obra, podem cansar a leitura (caso você não esteja familiarizado com tais termos), contra a informação do tipo como o Kind of Blue teve a velocidade do seu andamento alterada para mais lenta no lado A do vinil, em uma das suas prensagens há anos atrás, são pormenores que traduzem bem a essência desse registro. Um bom e interessante exercício de leitura e pesquisa musical.

Comentários

Popular Posts

As 10 Caras do Rock Baiano - Com a Banda Vômitos, "Punk Rock pra mendigo!"

O Portal Soterorockpolitano foi buscar na cidade de Barreiras os entrevistados da oitava entrevista da série “As 10 Caras do Rock Baiano”, são eles o guitarrista Rick Rodriguez e o vocalista Tito Blasphemer, da banda Vômitos. Nessa entrevista eles falam sobre as condições da cena da sua cidade e do esforço para mante-la ativa, suas influências e a inspiração para as suas letras, além da repercussão do clipe da música “Facada”, que já chegou a mais de 3.000 visualizações no Youtube. Então, ajeite-se na sua cadeira e fique ligado para não tomar uma facada no bucho. Soterorockpolitano - Como e quando surgiu a banda? Rick Rodriguez - A banda surgiu em 2007, tínhamos um interesse em comum, que era o punk rock, e isso nos motivou a formar a banda na época, começamos tocando músicas dos Ramones, que era nossa banda preferida e logo em seguida começamos a compor, e ter nossas próprias músicas. Tito Blasphemer - Estávamos cansados da cena de nossa cidade, bandas que

Resenha: Revista Ozadia, número zero.

Sou um apreciador recente de quadrinhos, e já há algum tempo venho acompanhando o que vem sendo feito de bom neste ramo e fico salivando por novidades dos meus autores preferidos. Ao mesmo tempo que, assim como no rock, é muito bom saber que há uma movimentação local na produção de HQ’s e que essas produções saem de mãos talentosas e possuidoras de uma liberdade criativa que se iguala à música que aprecio. A mais recente novidade é a edição de número zero da revista Ozadia, que é uma compilação de cinco histórias eróticas escritas pelas mãos de sete quadrinistas e roteiristas daqui da Bahia. Lançada com o apoio do selo Quadro a Quadro e ganhando popularidade a cada dia que passa, a revista tem dois aspectos importantes para ser lida mais de uma vez: uma ótima fluência no seu texto e traços inspiradíssimos de seus desenhos. De Ricardo Cidade e Alex Lins, “Especimen” abre a Ozadia com uma ótima ficção cientifica pornográfica, onde a heroína sai em busca de coleta de amostras de um

4 Discos de Rock Baiano, a compilação das cinco publicações. Por Leonardo Cima.

Movidos pelo resgate da memória da cena independente da Bahia, no qual o selo SoteroRec tem feito com o Retro Rocks desde o inicio deste ano  e por todas as ações que o cenário também tem feito nesse sentido, decidimos trazer uma compilação especial do nosso site para você que nos acompanha.  Em 2017, o Portal Soterorock fez uma série de matérias que destacava alguns dos principais discos de rock lançados na Bahia ao longo dos anos. Essa série se chamava "4 Discos de Rock Baiano" e como o nome sugere, quatro discos eram referenciados nas matérias.  Foram ao todo cinco publicações com bandas/artistas de gerações distintas reunidas nesta coletânea.  Você vai encontrar aqui pontuações sobre as obras e o mais importante: o registro público sobre elas, para que possam ser revisitadas e referenciadas ao longo dos anos. Passar em branco é que não pode! O aspecto positivo de se visitar essas postagens é a de ver que a maioria das bandas e artistas citados nelas ainda estão em ativida